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Um Mergulho na História | Por Alexandre Monteiro
O ciclone de de 15 de Fevereiro de 1941 no rio Sado
Na madrugada de 15 de fevereiro de 1941, Portugal foi assolado por um dos mais violentos ciclones da sua história moderna.
Com ventos que ultrapassaram os 130 km/h, e rajadas que em algumas zonas atingiram 150 km/h, a tempestade varreu o país de norte a sul, deixando um rastro de destruição sem precedentes.
A sua origem no Atlântico Norte e a rápida intensificação tornaram o fenómeno inesperado e devastador, apanhando a população de surpresa. À medida que a tempestade avançava, os ventos tornavam-se mais intensos, arrancando telhados, derrubando árvores, destruindo infraestruturas e lançando embarcações à deriva, transformando o país num verdadeiro cenário de caos.
O impacto foi particularmente severo em Lisboa, onde diversos edifícios históricos sofreram danos graves, enquanto telhados e estruturas desabavam devido à força dos ventos. A Baixa Pombalina foi uma das áreas mais afetadas, com objetos metálicos e de madeira a ser arrastados pelas ruas, e várias embarcações a afundar-se no Tejo, devido à agitação marítima extrema.
A situação foi particularmente crítica na costa portuguesa, onde ondas gigantes, com alturas entre 10 e 15 metros, afundaram embarcações e destruíram cais e portos. O ciclone provocou o naufrágio de diversos navios pesqueiros e mercantes, resultando na morte de dezenas de marinheiros. Em portos como o de Aveiro, a destruição foi avassaladora, com embarcações destruídas e infraestruturas essenciais danificadas.
No Porto, o ciclone provocou o colapso de estruturas portuárias e destruiu embarcações ancoradas, com o mar a invadir a cidade e a causar grandes prejuízos. O litoral norte foi duramente castigado, enquanto que, em Coimbra e Leiria, os estragos foram igualmente expressivos, com muitos edifícios danificados e as comunicações ferroviárias e rodoviárias severamente comprometidas. No Alentejo e Algarve, regiões menos habituadas a ciclones desta magnitude, o vento destruiu plantações, derrubou construções de pedra e deixou populações inteiras sem abrigo.
Ainda a sul de Lisboa, em Setúbal e na Península de Tróia, milhares de árvores foram arrancadas e aldeias inteiras ficaram temporariamente isoladas devido ao colapso de estradas e pontes.
No rio Sado estavam, para além da chusma de embarcações miúdas, três navios de maior porte.
Construído em 1887 pelo estaleiro Seacombe Ibberton-Brelters & Co. Ltd., o rebocador “Furão” era uma embarcação robusta, projetada para auxiliar no transporte e manobra de outras embarcações em águas portuárias e fluviais.
Registado no Porto, possuía uma arqueação bruta de 39,40 toneladas e uma arqueação líquida de 8,75 toneladas, com dimensões de 20,44 metros de comprimento, 3,70 metros de boca e 1,90 metros de pontal. A sua propulsão era garantida por um motor da empresa J.E. Waddington, de Liverpool, composto por um cilindro de alta pressão e dois cilindros de baixa pressão, com 96 cavalos de potência. A bordo, operava uma tripulação de cinco homens, a maioria oriunda de Ílhavo, um concelho com forte tradição marítima.
No dia 15 de Fevereiro de 1941, o “Furão” encontrava-se em operação no estuário do rio Sado, rebocando um batelão, o “Rio Lima 2º”. Sem qualquer aviso prévio da gravidade da tempestade que se aproximava, a tripulação foi surpreendida pela fúria do vento e do mar, e um rio transformado num turbilhão de ondas descontroladas.
À medida que a tempestade se intensificava, as correntes tornaram-se avassaladoras, impedindo qualquer tentativa de manobra segura. O rebocador, arrastado pela força do vento e das águas revoltas, lutou para manter o controlo, mas acabou por submergir, levando para o fundo do rio, defronte a Tróia, toda a sua tripulação: o mestre Manuel dos Santos Patoilo e os marinheiros Francisco António Diu, Manuel Gonçalves Peixinho e José de Jesus. O batelão “Rio Lima 2º”, também se afundou, morrendo todos os tripulantes.
No rio, estava também o “Atalante 1º.”, um lugre de pesca português, construído em Essex, nos Estados Unidos, em 1874.
Nos seus primeiros anos, entre 1874 e 1887, este lugre operou sob o nome “Julia 2°” e esteve registado por Lan F. M. Carrie D. Allen, antes de ser adquirido por Cunha Ferreira José, em 1887, da Figueira da Foz. Durante este período, manteve-se como um lugre à vela, utilizado na pesca de alto-mar, beneficiando da sua estrutura robusta e da sua capacidade de navegar longas distâncias.
Após quase meio século ao serviço deste proprietário, o navio foi vendido em 1936 à empresa Mesquita & Santiago, sediada em Viana do Castelo, passando a chamar-se “Atalante 1º”. Foi nesta fase que sofreu a sua maior transformação estrutural, com a modernização da embarcação para responder às novas exigências da pesca comercial.
Em 1937, já como "Atalante Primeiro", foi integrado na Companhia de Pesca Portuguesa Atlântica, de Lisboa. Em 1938, o lugre, que até então dependia exclusivamente da força do vento, foi equipado com um motor diesel auxiliar de 130 cavalos, mantendo os seus três mastros, mas ganhando maior autonomia e eficiência, alcançando uma velocidade de 9 nós. Com um comprimento de 37,3 metros, boca de 7,85 metros e calado de 3,6 metros, e uma arqueação bruta de 202,22 toneladas, tornou-se uma embarcação híbrida, unindo a tradição da vela à crescente motorização das frotas pesqueiras.
Com o ciclone, o “Atalante 1º” naufragou no Sado.
O balanço final do desastre aponta para pelo menos 60 mortos, além de milhares de desalojados e feridos.
Os prejuízos materiais foram incalculáveis, afectando habitações, redes elétricas, transportes e comunicações em todo o território. O governo de António de Oliveira Salazar mobilizou alguns recursos para ajudar as populações afetadas, organizando equipas de socorro que trabalharam na desobstrução de estradas, reconstrução de infraestruturas e fornecimento de bens essenciais. No entanto, devido às restrições económicas impostas pela Segunda Guerra Mundial, a recuperação foi lenta e difícil, agravando o sofrimento das comunidades atingidas.
O ciclone de 15 de fevereiro de 1941 permanece como um dos episódios meteorológicos mais dramáticos da história de Portugal. Mais de 80 anos depois, os estragos que deixou e as histórias dos que enfrentaram essa noite aterradora já pouco vivas estão na memória coletiva do país.
Quanto ao “Atalante 1º”, mais tarde, foi adquirido pela Sociedade de Navegação Costeira Nossa Senhora da Agonia Lda, de Viana do Castelo, que o reflutuou do fundo do Sado e o baptizou como “Nossa Senhora da Agonia”.
A 19 de Dezembro de 1945, após mais de 70 anos de serviço, o “Nossa Senhora da Agonia” foi outra vez apanhado por ventos e mar revolto, afundando-se, desta vez de vez, a cerca de 10 milhas do porto de Alger. Toda a sua tripulação sobreviveu.
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Colaboração de Alexandre Monteiro com a APP, texto respigado da página que o autor mantém no Facebook, intitulada "Um Mergulho na História".
Nesse espaço, o arqueólogo náutico e subaquático, também investigador universitário, mantém a secção "Um naufrágio por dia".
É dessa secção que resgigamos o texto que aqui publicamos.
"Um Mergulho na História" trata de "Naufrágios portugueses no Mundo, património cultural subaquático de Portugal e Ilhas, arqueologia náutica e subaquática, piratas, corsários e tesouros, reais, percepcionados e imaginários submersos".
A visitar em https://www.facebook.com/mergulho.historia
Alexandre Monteiro é arqueólogo náutico e subaquático, investigador do HTC-CFE da Universidade Nova de Lisboa e membro da Academia de Marinha.
É pós-graduado em Mergulho Científico, instrutor de mergulho e mergulhador profissional, tendo projectos de arqueologia com as autarquias de Alcácer do Sal, Lagos e Esposende e, no estrangeiro, nos Emirados Árabes Unidos e na Austrália.
É consultor da UNESCO, do governo de Cabo Verde e da Missão de Combate aos Crimes contra o Património Cultural da OSCE.
É, há 25 anos, o criador das bases de dados relativos a naufrágios históricos de Portugal Continental, Açores e Madeira, bem como de Omã e Cabo Verde.
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