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POR ARTUR MANUEL PIRES
Uma questão de acesso
O mar tal como o conhecemos e foi criado por Deus – logo ao segundo dia da criação, e completado ao terceiro com a separação da água e da terra – tem conhecido recentemente um processo significativo de parcelamento, quase sempre por motivos generosos.
No entanto também existem registos de florestas e bosques urbanos serem reduzidos à dimensão de canteiros através de edificações sem fins lucrativos, mais os respetivos acessos, arruamentos e estacionamentos.
Uma escola de esperanto ortodoxo aqui, um arquivo para o acervo da administração colonial da Fortaleza de São Baptista de Ajudá, ali, um fórum para a poesia pós-concreta acolá.
Depois de durante muito tempo as únicas restrições ao mar comum, assentarem nas 12 milhas de águas territoriais, contadas a partir da baixa mar da costa das nações ribeirinhas, e depois na definição e extensão de 200 milhas para a Zona Económica Exclusiva (ZEE), a acrescentar àquelas águas, e agora com o estabelecimento das extensões das plataformas continentais – e apesar da posse destas não conferir qualquer quantidade do mar que as cobre -, têm surgido e proliferado as reservas de áreas oceânicas para fins de irrepreensível utilidade e altruísmo, como ao nível interno, o nosso Parque Marinho Luís Saldanha, nas proximidades de Sesimbra, e a nível internacional, as diversas reservas marinhas que se vão muito corretamente criando.
Destacam-se neste campo as ECAs (Emission Control Area) do Ártico Canadiano, a do Mar Norueguês, a prevista ECA do Mediterrâneo, e a ECA do Atlântico Nordeste, um projeto de iniciativa portuguesa, esperada materializar-se em 2027.
Em estudo avançado está também uma área marinha protegida para o Oceano Ártico Central, (Central Artic Ocean).
As Áreas Marinhas Protegidas (AMP) possuem dois propósitos principais: criação de áreas de proteção ambiental e afirmação da soberania dos estados promotores.
Assim, da conjugação destas duas funcionalidades, acrescentada de outras razões mais subtis, surgiu a pretensão de ter até 2030, 30% da área marinha sob jurisdição nacional abrigada em AMPs.
Contudo a concretização desta pretensão, esbarra em dois escolhos: como calcular e medir aquela percentagem, dado que a geometria das parcelas marinhas é tridimensional, e como fiscalizar (quem, como, quando) as suas regras de funcionamento.
No que respeita à vertente jurídica e política, creio que se irá assistir ao desenvolvimento substantivo de uma diplomacia de estabelecimento e defesa das fronteiras marítimas, uma atividade que tem tanto de universal (perante o mundo) como local (perante as populações abrangidas).
Estas caraterísticas ficaram bem patentes na criação da maior AMP do globo – que dá pelo sugestivo nome de Papahãnaumokuãkea – e onde a fixação dos seus cerca de 1,5 milhões de quilómetros quadrados, teve que ser minuciosamente negociada com a população do Havaí.
E também não deixa de ser curiosa a posição da Noruega, que protege o seu oceano através de uma ECA, enquanto aprova a possibilidade da exploração mineira no seu fundo.
Assim, ao problema da complexa compatibilidade entre infraestruturas portuárias, sobretudo portos, e navios, expressa na simultaneidade dos trabalhos de alargamento do Canal do Panamá e da construção de navios cujas dimensões não permitiria (e não permite!) a passagem no Canal, somou-se a questão da não menos complexa articulação entre navios e portos, devido aos diferentes tipos de combustíveis que se anunciam – mas sem até ao momento se definirem – em substituição dos atuais, bastante poluentes, mas praticamente universais, o que pode originar uma seleção de frotas em função do combustível que podem encontrar nos portos de escala ou de destino.
E agora, é a questão de reservas de oceano, acessíveis apenas a navios que cumpram determinadas características de funcionamento das suas máquinas, nomeadamente da poluição causada, ou que simplesmente se obriguem à redução da velocidade de atravessamento daquelas áreas reservadas.
A conjugação destas limitações (compatibilidade da geometria dos navios com as estruturas marítimas, do combustível dos navios com o existente nos portos, e do funcionamento das suas máquinas com as coordenadas geográficas permitidas atravessar) pode desorganizar todo um sistema de rotas a percorrer, inviabilizando algumas delas, trocadas por outras alternativas, mas eventualmente inviáveis em termos económicos.
E contudo, todo este envolvimento, não consegue ainda resolver o problema dos 44 países (só em África são 16) sem acesso ao mar.
A Bolívia, tem inscrito na sua Constituição o acesso ao mar (perdido em 1884, numa guerra com os vizinhos) como um direito fundamental, e imprescindível para o desenvolvimento do país.
A Áustria encontra-se aprisionada numa ausência perpétua de qualquer coisa, encravada entre spleen e amok, que possivelmente esteve na origem do aparecimento da psicanálise, fundada por Doctor Freud, um médico neurologista com consultório em Viena.
E a Etópia, mencionada na Odisseia e nos Lusíadas, cristã um século antes de Roma, dificilmente não se deixará envolver novamente em conflitos locais para poder recuperar o seu mar.
Toda esta complexidade cultural, jurídica, económica, ambiental, política, e sobretudo processual e técnica, a envolver literalmente o planeta, assente em novos portos, novos navios e novas rotas, torna fascinante e trabalhoso o assunto do Mar.
Esta última particularidade talvez seja proporcional à extensão de mar possuída por cada uma das nações, e por isso não é estranhar que se oiçam movimentações não confirmadas, de que o Chile se prepara para encetar estudos sobre o acesso à terra.
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