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Notícias
Um Mergulho na História | Por Alexandre Monteiro
«Ouranos» encalhado na praia da Arrifana, a 15 de Janeiro de 1974
O “Lyng” era um navio-tanque construído em 1964 pelo estaleiro N.V. Scheepsbouwerf v/h De Groot & van Vliet, em Slikkerveer, nos Países Baixos, para a companhia norueguesa Skibs-A/S Storli & Skibs-A/S Oljetransport, de Bergen.
Projetado para o transporte de óleo e derivados, destacava-se pela construção robusta e dimensões compactas, ideais para operações regionais. Originalmente, o navio tinha 54,4 metros de comprimento, 9,63 metros de largura e um calado de 4,42 metros, com uma capacidade de carga de 1.200 toneladas brutas.
A sua propulsão era assegurada por um motor diesel de 4 tempos e 6 cilindros, fabricado pela Motorenwerke Mannheim. Este motor gerava uma potência de 800 cavalos, permitindo ao navio atingir uma velocidade de cruzeiro de 11 nós. O sistema elétrico do “Lyng” incluía dois geradores com capacidade de 68 kW cada, operando a 220 volts e 60 ciclos por segundo, garantindo energia suficiente para todas as operações a bordo.
Com um único convés, o “Lyng” foi projetado para operações práticas e funcionais, sendo especialmente adequado para rotas de curta distância e transporte regional de óleo e derivados, refletindo o design compacto e eficiente típico dos navios-tanque de médio porte da sua época, concebidos para atender às exigências comerciais com segurança e eficácia.
Em 1967, foi submetido a uma modificação significativa, efetuada pelo estaleiro Boele Scheepswerf & Machinefabriek, de Slikkerveer, onde o navio foi alongado em 9,84 metros. Após essa alteração, o “Lyng” passou a ter 64,2 metros de comprimento, mantendo a largura e o calado originais. A capacidade de carga subiu para 1.437 toneladas, com a arqueação bruta ajustada para 765 toneladas e a líquida para 433 toneladas.
Em 1973, o navio foi vendido à companhia grega Argonaute Jason Maritime Co. Ltd., com sede no Pireu, sendo renomeado “Ouranos”. Sob nova gestão, continuou a operar como petroleiro em rotas diversificadas.
A 15 de Janeiro de 1974, o “Ouranos” encalhou na praia da Arrifana, quando transportava uma carga de produtos químicos altamente poluentes. Poderia ter tido o azar de centenas de navios, que terminaram os seus dias no barlavento algarvio, nomeadamente no trecho de costa compreendido entre o cabo Sardão e Sagres, mas não foi isso que aconteceu.
O “Ouranos” foi desencalhado e ganhou uma nova vida. Nesse mesmo ano, foi adquirido pela empresa Antioka Shipping Co. S.A., sob controlo português, sendo registado sob bandeira do Panamá, com o nome “Parati”.
Em 1981, o navio foi novamente vendido, desta vez à Caremar International S.A., com sede em Miami, nos Estados Unidos, sendo renomeado “Tanya V” e mantendo-se registado sob bandeira panamiana. Em 1994, foi transferido para o registo de Belize, continuando a operar até 1999.
Nesse ano, foi afundado, para servir de recife artificial em Juan Dolio, na República Dominicana, servindo agora como spot de mergulho amador. O que a Arrifana não conseguiu reclamar, reclamaram as Caraíbas.
O caso do “Ouranos” – como os de alguns outros, por exemplo, o Isla de Panay, também perdido pelos lados do cabo de São Vicente, em 1929 – é paradigmático, tendo em conta que alguns navios históricos, considerados como encalhados e perdidos nos registos oficiais ou na imprensa, acabam, na realidade, por ser reflutuados e reparados, voltando ao serviço após os incidentes que inicialmente os identificaram como naufrágios.
Na verdade, quando um navio encalhava, as autoridades portuárias, seguradoras e armadores muitas vezes trabalhavam em conjunto para salvar a embarcação e a carga. Em muitos casos, o navio era reparado no local ou conduzido a estaleiros para intervenções mais profundas antes de voltar ao serviço. Contudo, este processo nem sempre era devidamente documentado ou atualizado nos registos históricos. Por vezes, a notícia inicial do encalhe ou da perda era amplamente divulgada, mas os esforços subsequentes de reflutuação e reparação passavam despercebidos. Após o incidente, o navio podia mudar de proprietário, ser renomeado ou simplesmente voltar ao serviço em rotas menos visíveis, dificultando o acompanhamento histórico.
Este cenário cria uma lacuna nos registos navais, levando historiadores e investigadores a catalogarem certos navios como "naufragados" ou "perdidos" quando, na verdade, continuaram a navegar por anos ou mesmo décadas após o incidente.
Estas inconsistências acumulam-se ao longo do tempo, especialmente em fontes secundárias ou terciárias, perpetuando informações incompletas ou incorretas sobre o destino das embarcações.
A crescente digitalização de arquivos marítimos e a interligação de bases de dados internacionais têm ajudado a corrigir algumas destas omissões. A comparação de registos de diferentes países, companhias e autoridades marítimas pode revelar a trajetória completa de navios que, embora dados como perdidos, ressurgiram para uma segunda vida no comércio ou no transporte.
Por exemplo, no caso do “Tanya V”, o ex-“Ouranos”, em 2001, o navio foi excluído do registo da Lloyd’s com a anotação "existência em dúvida".
Obviamente, a Lloyds não sabe do episódio de Juan Dolio. Mas sabemos nós.
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Colaboração de Alexandre Monteiro com a APP, texto respigado da página que o autor mantém no Facebook, intitulada "Um Mergulho na História".
Nesse espaço, o arqueólogo náutico e subaquático, também investigador universitário, mantém a secção "Um naufrágio por dia".
É dessa secção que resgigamos o texto que aqui publicamos.
"Um Mergulho na História" trata de "Naufrágios portugueses no Mundo, património cultural subaquático de Portugal e Ilhas, arqueologia náutica e subaquática, piratas, corsários e tesouros, reais, percepcionados e imaginários submersos".
A visitar em https://www.facebook.com/mergulho.historia
Alexandre Monteiro é arqueólogo náutico e subaquático, investigador do HTC-CFE da Universidade Nova de Lisboa e membro da Academia de Marinha.
É pós-graduado em Mergulho Científico, instrutor de mergulho e mergulhador profissional, tendo projectos de arqueologia com as autarquias de Alcácer do Sal, Lagos e Esposende e, no estrangeiro, nos Emirados Árabes Unidos e na Austrália.
É consultor da UNESCO, do governo de Cabo Verde e da Missão de Combate aos Crimes contra o Património Cultural da OSCE.
É, há 25 anos, o criador das bases de dados relativos a naufrágios históricos de Portugal Continental, Açores e Madeira, bem como de Omã e Cabo Verde.
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