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Arruda Furtado, o naturalista que era mais do que um correspondente de Darwin

Quem era Francisco de Arruda Furtado? Um naturalista açoriano que investigou moluscos e divulgou nos Açores a teoria da evolução de Charles Darwin, com quem trocou cartas.

Para a maioria das pessoas que ouviram falar de Francisco de Arruda Furtado (1854-1887), este é o naturalista açoriano que trocou cartas com Charles Darwin. Mas Francisco de Arruda Furtado foi muito mais do isso. Sem formação científica, dedicou-se à investigação de moluscos terrestres e foi um grande divulgador de ciência. Quem estudou o seu percurso, diz que é uma figura ímpar na ciência nacional e até internacional do seu tempo.

Nascido em Ponta Delgada, Francisco de Arruda Furtado veio a frequentar o Liceu Nacional de Ponta Delgada. Aqui, do que se conhece das suas pautas, era um aluno razoável que se destacava em algumas disciplinas como o desenho. Mais tarde, essa vocação também se revelará nas suas ilustrações científicas. Terminou o liceu sem ter tido ciências naturais. Mesmo assim, por volta dos 12 anos, começou logo a interessar-se pela observação e estudo da natureza.

O seu percurso profissional inicia-se como amanuense – isto é, escriturário – na Repartição da Fazenda Distrital de Ponta Delgada. Em 1876, passa a trabalhar como escriturário na Casa de José do Canto (1820-1898), intelectual açoriano e amante de botânica. “Provavelmente, é neste período que tem acesso a pessoas como Carlos Machado [que foi reitor e professor de história natural no Liceu Nacional de Ponta Delgada]”, conta-nos o historiador David Felismino enquanto mostra a exposição Arruda Furtado, discípulo de Darwin desde 2015 no Museu Nacional de História Natural e da Ciência (Muhnac​​), em Lisboa e da qual foi comissário.

Juntamente com Carlos Machado, faz recolhas de campo e estudos a moluscos em Ponta Delgada. “O objectivo daqueles anos de trabalho em comum é sempre a abertura do museu [Açoriano e actual Museu Carlos Machado]”, continua o historiador, agora director-adjunto do Museu de Lisboa.

Já João Paulo Constância, conservador da colecção de história natural do Museu Carlos Machado, realça que o fundador deste museu açoriano foi o grande mentor de Francisco de Arruda Furtado. “Os primeiros passos são dados na época da fundação do museu. No final do século XIX, tem a percepção de que os moluscos são realmente um grupo muito interessante para se estudar e perceber os mecanismos evolutivos.” Além de existir um painel sobre uma das suas investigações na exposição permanente do museu, fazem parte da colecção de história natural um conjunto de conchas que terão sido estudadas por Francisco de Arruda Furtado. O interesse pelo estudo de animais e plantas também estará relacionado com a passagem de alguns naturalistas estrangeiros pelos Açores.

E o que se destaca sobre a sua investigação sobre os Açores? As conclusões a que chegou sobre a colonização das ilhas por animais e plantas, refere Luís Arruda, professor na Faculdade de Ciências na Universidade de Lisboa até 2008 e que fez o levantamento e estudo da correspondência e obra científica do naturalista. “No que toca à fauna malacológica, duvidando da hipótese da dispersão das espécies por icebergues no período pós-Wurm [ou seja, após o último período glacial], formulada por Darwin, em 1878 Arruda Furtado entendia que a maior parte das espécies devia ter alcançado o arquipélago açoriano por meios naturais de dispersão, que outras teriam resultado de modificações causadas pelas condições do solo, ainda outras por hibridação e uma pequena parte teria sido introduzida pelo homem durante as escalas feitas nestas ilhas”, relata. Entre outras partes do seu trabalho – até reproduzidas em desenho – está a descrição de órgãos digestivos e reprodutores internos de moluscos.

Entre o final dos anos 1870 e início dos anos 1880, começa a escrever e a publicar os seus primeiros artigos científicos. Para tirar dúvidas, pedir conselhos ou fazer outras questões, o naturalista troca correspondência com várias figuras da ciência internacional. “Conhecem-se pelo menos 60 correspondentes. Darwin é só um”, ressalva David Felismino.

A 15 de Junho de 1880 envia uma carta a Eugène Simon (1848-1924), especialista em aranhas. É esta a primeira carta conhecida da sua correspondência científica. Também vai trocar cartas com o biólogo inglês Louis Miall (1842-1921). Aliás, é este biólogo que lhe dá o contacto de Charles Darwin depois de Francisco de Arruda Furtado lhe perguntar onde pode encontrar o naturalista. “Sou darwinista e, para nós, a vida é a vitória depois do combate”, escreve nessa carta a Louis Miall.

Um vulgarizador de ciência

A 13 de Junho de 1881 Francisco de Arruda Furtado escreve pela primeira vez a Darwin. Nessa carta, diz-lhe que como naturalista amador estava muito interessado no seu trabalho e que acha que o arquipélago dos Açores reúne as condições para demonstrar a teoria da evolução através da selecção natural. Conta-lhe quais os seus objectivos científicos, os resultados que já obteve e os contactos internacionais que mantém. Faz-lhe ainda questões sobre a recolha ou a dissecação de animais.

Menos de um mês depois – a 3 de Julho – Darwin responde-lhe. “Considero um feliz acontecimento para a ciência que um homem como o senhor, que se limita a recolher e a descrever espécies pertencentes a grupos esquecidos, mas que está atento a questões filosóficas, resida num grupo de ilhas oceânicas. O seu campo de observação é esplêndido e não duvido que a sua investigação será muito válida”, escreveu-lhe já com 72 anos. Além de lhe agradecer a carta, fez-lhe observações sobre a sua investigação e sugere-lhe um plano de trabalho em sete pontos. Ao todo, são dez as cartas trocadas entre o naturalista português e o inglês (seis de Arruda Furtado e quatro de Darwin).

Na exposição do Muhnac​​, em frente ao livro A Origem das Espécies anotado por Francisco de Arruda Furtado e A Distribuição Geográfica dos Animais de Alfred Russel Wallace (1823-1913) oferecido e assinado pelo próprio Darwin, David Felismino refere que não se sabe exactamente como é que Arruda Furtado teve acesso às ideias de Charles Darwin. E por que razão Darwin fica interessado no trabalho de Arruda Furtado? “Para já, pelo conteúdo rigoroso das cartas. Percebe-se que há uma certa solidez em termos científicos”, explica o historiador. “Depois, grande parte do trabalho de Darwin é insular [tal como o de Arruda Furtado].” O naturalista inglês também trocou correspondência com outros portugueses como o geólogo Carlos Ribeiro (1813- 1882).

“Francisco de Arruda Furtado foi localmente um grande divulgador da teoria da evolução das espécies. Foi das primeiras pessoas nos Açores a fazê-lo”, nota João Paulo Constância. Já David Felismino destaca mesmo que o naturalista açoriano deixou muitos trabalhos de “vulgarização de ciência”.

Arruda Furtado também foi um dos pioneiros da antropologia em Portugal e trocou correspondência com o francês Gustave Le Bon (1841-1931), que defendia que as características da morfologia permitiam averiguar condições de superioridade ou inferioridade. Em 1884, publicou Materiais para o estudo antropológico dos povos açorianos. Observações sobre o povo micaelense. David Felismino esclarece que, nesta obra, diz ter demonstrado a inferioridade dos micaelenses em relação aos restantes açorianos e à população continental devido a certos factores ambientais, históricos, geográficos (como a insularidade) ou à alimentação. “Diz que os micaelenses apresentam um conjunto de características morfológicas que mostram a sua inferioridade em termos de proporção do crânio, de hábitos ou costumes de vida.”

Numa pequena biografia sobre o naturalista, Luís Arruda refere que as conclusões a que chegou não lhe deram projecção e até levaram à sua marginalidade. “A razão está em que a raça açoriana procurada, uma questão levantada durante a Regeneração, foi mostrada inferior, quando, a existir, deveria ter sido mostrada como diferente daquela de onde provinha”, lê-se. Agora ao PÚBLICO, acrescenta: “Arruda Furtado não encontrou respostas claras para algumas das questões que levantou no âmbito desse estudo, mas ele colocou-o entre os pioneiros dos estudos antropológicos em Portugal.” Por sua vez, David Felismino faz questão de sublinhar que este trabalho está “completamente obsoleto”.

Aliás, devido a este trabalho, acaba por ter conflitos com José do Canto e com a restante elite letrada de Ponta Delgada. Também a divulgação da teoria da evolução de Darwin lhe garante discórdias com a igreja. É conhecida a frase que Arruda Furtado escreveu na monografia O Homem e o Macaco (1881): “Houve um tempo em que tudo nos vinha do padre, hoje tudo nos vem do homem de Ciência.”

No final de 1884, vai para Lisboa e em 1885 é contratado para a secção zoológica do museu de história natural da Rua da Escola Politécnica (na altura, Museu de Lisboa, e actual Muhnac​​) para organizar as colecções malacológicas e conquiológicas. Hoje, no Muhnac​, apenas resta uma pequena caixa de charutos com conchas. Os restantes espécimes recolhidos por Arruda Furtado terão ardido no incêndio da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e do museu em 1978.

Roupas para a Adelina

Francisco de Arruda Furtado também chega a fazer planos para expedições científicas para estudar moluscos aos mares dos Açores e da Madeira que seriam financiadas pela Sociedade de Geografia de Lisboa. Devido às dificuldades financeiras da sociedade – que lhe pede para baixar o custo das expedições – e depois por ter morrido de doença pulmonar grave em 1887 aos 33 anos, as expedições nunca aconteceram.

Contudo, deixa listas de compras para as expedições dos Açores. Nessas listas, há livros, instrumentos e roupa para trabalhar no campo e até para o domingo, tanto para si como para Adelina da Costa, com que se casou em 1885. “Essas listas contemplam roupa e instrumentos para a Adelina”, diz David Felismino a apontar para a recriação das roupas e materiais dessa expedição feita pelo Teatro Nacional de São Carlos. Tudo está disposto como se Francisco de Arruda Furtado e Adelina da Costa estivessem prontos para partir numa viagem científica. Da sua vida com Adelina da Costa ficaram ainda os relatos das tardes passadas em Monsanto a recolher insectos.

“É uma figura ímpar na ciência nacional e internacional do seu tempo”, realça David Felismino. “Trabalha com o que de mais avançado e inovador se faz na altura: em termos teóricos, é um acérrimo defensor da teoria da evolução pela selecção natural; e em termos metodológicos, todas as suas práticas reflectem as que eram mais avançadas do final do século XIX [que se baseia no trabalho laboratorial, de campo e no desenho].” Luís Arruda é da mesma opinião: “Arruda Furtado foi um dos mais notáveis naturalistas portugueses do seu tempo. Protagonizou o debate científico internacional e integrou os Açores no panorama da ciência oitocentista.”

A confirmar estas afirmações, acrescenta Luís Arruda, estão as dezenas de documentos na sua correspondência científica e de artigos científicos publicados em revistas científicas como Annals and Magazine of Natural History (actual Journal of Natural History) ou a Journal de Conchyliologie. O seu espólio (grande parte do Muhnac​​ e doado pela sua nora à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em 1953) tem 2139 documentos manuscritos (entre notas e apontamentos), 307 cartas, 114 documentos impressos (69 separatas, 31 livros e 14 jornais e recortes de imprensa) e 512 desenhos.

Um ilustre desconhecido

Mesmo assim, João Paulo Constância nota que Arruda Furtado continua a ser “um ilustre desconhecido do público em geral e que não foi suficientemente divulgado e conhecido”. Quanto ao facto de não ser tão conhecido até nos Açores, o conservador indica a ida para Lisboa e ter vivido pouco. De vez em quando há um ressurgimento, realça, quando há publicações sobre ele ou exposições.

Já David Felismino enumera diferentes factores: ter morrido de forma prematura; quando surge referenciado na segunda metade do século XX é sobretudo na área da antropologia e para se criticar as suas ideias por não fazerem sentido e serem perigosas a nível ideológico; ou aos conflitos em que se envolveu. Por sua vez, Luís Arruda refere que, se durante muito tempo a sua obra foi desconhecida na cultura portuguesa, o que se deve à sua origem social modesta, ao seu ateísmo, anticlericalismo e os resultados no seu estudo em busca de uma suposta raça açoriana.

Luís Arruda foi um dos grandes estudiosos de Arruda Furtado e do seu trabalho. Publicou a obra Correspondência Científica de Francisco de Arruda Furtado (Instituto Cultural de Ponta Delgada, 2002), artigos ou colaborou em livros. O seu interesse em Arruda Furtado surgiu depois de ler artigos de professores na faculdade – como Carlos Tavares – sobre a sua relação e correspondência com Darwin. Em 2013, através do financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian, o Muhnac catalogou e digitalizou todo o espólio. Agora, está online.

Embora a sua obra esteja impressa e estudada, tenha sido referido em diferentes exposições e até tenha tido direito ao livro infantil O Português que se Correspondeu com Darwin (Gradiva, 2009) de Paulo Trincão, ainda não há nenhum trabalho de doutoramento sobre esta figura nem uma biografia. “Já merecia”, afirma David Felismino. “Era inovador e pioneiro dentro do quadro conceptual do seu tempo. Era surpreendente e fascinante por o seu trabalho ter um gabarito invulgar para um autodidacta, assim como a diversidade e abrangência dos seus objectos de estudo. Afinal, viveu numa época em que as pessoas já se especializam e tinha uma visão muito abrangente do mundo natural.” Até Darwin lhe reconheceu mérito.

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