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Desejava Fernão Magalhães circum-navegar o Globo?
Desejava Fernão Magalhães circum-navegar o Globo? Ou pretendia simplesmente tocar as ilhas Molucas e regressar? Ao certo não sabemos. O que interessa realmente aqui sublinhar é que um tal projecto continha inúmeros riscos e suscitava desconfianças e incertezas. Com efeito, o que Fernão de Magalhães se propunha efectuar – mostrar que as ilhas Molucas se encontravam fora do hemisfério português – era um enorme desafio técnico e humano. Para mais quando até ao momento fora impossível delimitar de forma rigorosa as zonas de influência, espanhola e portuguesa, definidas em Tordesilhas.
Nascido por volta de 1480, desconhecem-se muitos passos dos primeiros tempos da vida deste navegador. Onde terá nascido? Em Trás-os-Montes? No Porto? Ou no Entre Douro e Minho? Cotou-se, sem dúvida, como um dos grandes navegadores quinhentistas ao idealizar, conceber e preparar, com persistência e vontade inabalável, uma das maiores façanhas do seu tempo: a primeira circum-navegação do Globo.
Elemento da nobreza provinciana procura, de início, no Além-mar a fama e glória pelos feitos de armas. Logo em 1505 parte para a Índia numa armada comandada por D. Francisco de Almeida. Nos mares do Índico permanecerá oito anos. Acompanha Diogo Lopes Sequeira a Malaca em 1509, naufragando no regresso; participa na conquista de Goa ao lado de Afonso de Albuquerque no ano de 1510; no ano seguinte faz parte do contingente, também liderado por Afonso de Albuquerque, que toma a estratégica cidade de Malaca. Entretanto, ainda no Oriente, estabelece uma relação muito próxima com Francisco Serrão, que veio a ser o feitor das ricas ilhas das Molucas. Através desta amizade e, posteriormente, duma troca epistolar regular tem acesso a informações preciosas, de âmbito cartográfico e geográfico, acerca da localização daquelas ilhas, onde abundavam as especiarias. De volta a Lisboa, em 1513, incorpora nesse mesmo ano as forças que sob o comando de D. Jaime, Duque de Bragança, tomam a praça marroquina de Azamor.
Responsável pelos despojos da conquista, é acusado da forma pouco clara como repartiu as "presas". Terá esse facto contribuído, certamente, para a sua má reputação na Corte, pois só assim se compreende que D. Manuel o tenha votado ao ostracismo, negando-lhe uma recompensa para os seus feitos guerreiros. Sentindo-se alvo de injustiça, Magalhães dedica-se por inteiro, juntamente com o cosmógrafo Rui Faleiro, a gizar um plano de uma navegação por ocidente, para tentar provar que as ilhas Molucas se encontravam fora do hemisfério português definido pelo Tratado de Tordesilhas (1494). Dirige-se então para Sevilha, aí chegando a 20 de Outubro 1517, juntando-se-lhe mais tarde os irmãos Faleiro, Rui e Francisco, que o auxiliam nos problemas técnicos do projecto. Com o decisivo apoio de João de Aranda, feitor da Casa de la Contratacion, é obtida a anuência do rei espanhol (futuro imperador Carlos V) para a expedição, que disponibiliza uma esquadra de cinco naus.
Providos de uma tripulação de 265 homens, os navios, com Fernando de Magalhães por capitão-mor, zarpam de San Lúcar de Barremeda a 20 de Setembro de 1519. Desejava Fernão Magalhães circum-navegar o Globo? Ou prendia simplesmente tocar as ilhas Molucas e regressar? Ao certo não sabemos. O que interessa realmente aqui sublinhar é que um tal projecto continha inúmeros riscos e suscitava desconfianças e incertezas. Com efeito, o que Fernão de Magalhães se propunha efectuar – mostrar que as ilhas Molucas se encontravam fora do hemisfério português – era um enorme desafio técnico e humano. Para mais quando até ao momento fora impossível delimitar de forma rigorosa as zonas de influência, espanhola e portuguesa, definidas em Tordesilhas.
Em 1519 a pequena armada aporta ao Rio de Janeiro; no mês seguinte penetra no Rio da Prata; em finais de Março de 1520 faz a sua entrada no estreito que virá a ter o nome do navegador português. Durante a viagem sucedem-se as peripécias, as conspirações, as insubordinações - sempre debeladas pelo capitão-mor - de uma tripulação exausta e desconfiada com o insucesso do empreendimento. Por fim, em Novembro de 1520 os navios entram no Oceano Pacífico, e poucos meses depois (Abril de 1521) Fernão de Magalhães é morto numa escaramuça na ilha de Cebu (Filipinas).
A esquadra reduz-se agora a dois navios. Um deles, a nau "Victoria", comandada pelo espanhol Sebastião Delcano, segue viagem pela rota do cabo, procurando víveres em Cabo Verde. Posto a descoberto pelos portugueses, o navio segue de imediato para San Lucar de Barremeda, onde chega a 6 de Setembro de 1522 com uma tripulação de apenas 18 homens! Estava concluída a primeira viagem à volta do Mundo. Muitos paradigmas geográficos caíam assim por terra. Tal viagem terá de ser obrigatoriamente entendida à luz das estratégias e ambições que se desenhavam na época: a internacionalização dos problemas políticos; a fuga de técnicos de um para o outro lado da fronteira peninsular; a rivalidade crescente entre os reinos ibéricos, e as tentativas para o seu apaziguamento; o desafio de outras potências europeias à doutrina do "Mare Clausum".
Carlos Manuel Valentim
Bibliografia
ACTAS do VII Simpósio de História Marítima -"Fernão de Magalhães a sua Viagem no Pacífico – antecedentes e consequentes", Lisboa, Academia de Marinha, 2002.
LAGOA, Visconde de, Fernão de Magalhães – A sua vida e a sua viagem, Lisboa, 2 vols., 1898-1900.
MOTA, Avelino Teixeira da, O regimento da Altura de Leste - Oeste de Rui Faleiro – Subsídios para o Estudo Náutico e Geográfico da Viagem de Fernão de Magalhães, Lisboa, Edições Culturais da Marinha, 1986.
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