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Notícias
EU GOSTO É DO VERÃO
São Martinho do Porto: A piscina das crianças
Cecília empurra o carrinho à beira-mar. Não apregoa bolinhas quentinhas, tem uma buzina mas raramente a usa, não precisa. Basta-lhe só passear por ali e parar de vez em quando, as ondas pequeninas num vaivém a molhar-lhe os pés, e logo fica rodeada de gente a pedir-lhe bolas com creme e sem creme, pastéis de nata, palmiers, mil-folhas.
Todos a conhecem. Tem 64 anos e há 42 que vende bolos na praia de São Martinho do Porto. Ao início eram 12 as raparigas a desfilar pela praia de "lata à cabeça", agora é só ela, empurrando o carrinho lentamente, cada ano mais lentamente. "Passo todo o dia nisto, para a frente e para trás. Mas não me farto.
Gosto mesmo de estar aqui, gosto de falar com as crianças, de vê-las todos os anos mais crescidas. Há famílias que eu já conheço há muito tempo, os avós, os filhos e agora os netos. É uma alegria quando os vejo chegar em junho. E choro muito no fim da época..."
Há cinco anos, quando a idade e a doença começaram a dificultar-lhe o trabalho, um grupo de senhoras da praia organizou um peditório. Entre todos os banhistas conseguiram juntar mais de mil euros para mandar fazer o carrinho, tal e qual como era preciso, para Cecília poder continuar a vender bolos na praia. "Fiquei muito agradecida. Há coisas que não se esquecem...", e só de falar nisso as lágrimas assomam-lhe aos olhos.
Esse é o espírito de São Martinho do Porto, praia no concelho de Alcobaça, bem no centro do país. Uma praia em baía quase fechada, mar tranquilo, ideal para as crianças brincarem sem perigos, enquanto os crescidos leem o jornal e põem a conversa em dia. E tanta conversa. O areal está repleto de barraquinhas, perfeitamente alinhadas, quase todas arrendadas à época, sempre pela mesma família, ano após ano. As amizades de verão transformadas em amizades para a vida.
A povoação cresceu em volta do porto de pesca. Para além das casas dos pescadores, a partir do final do século XIX começaram a aparecer casas de veraneio, usadas sobretudo pela nobreza e pela alta burguesia. Diz-se que o solar das palmeiras foi usado pelo rei D. Carlos, mas não há certeza disso.
Começou nessa altura o hábito de ir à praia, apanhar sol, desfrutar do "ar da praia" e, também, das qualidades da água do mar. Mas com mil cuidados. "As senhoras devem usar a touca de guta-percha para não molharem o cabelo e quando não tenham a touca não lhes convém mergulhar a cabeça. Basta-lhes refrescar repetidamente a fronte e o alto do crânio com a mão molhada durante o tempo que estiverem na água. Os longos cabelos molhados com água salgada produzem mais males do que aqueles que o banho é destinado a combater", aconselhava Ramalho Ortigão no seu livro As Praias de Portugal: Guia do Banhista e do Viajante, publicado em 1876.
Em público, o corpo tinha de estar completamente tapado. "O meu sogro andava na praia com uma fita métrica, a medir os tornozelos das senhoras", conta Maria da Conceição, 76 anos, responsável por 200 barracas na praia de São Martinho. "E era ele que ajudava as senhoras a molharem os pés na água salgada." Vem dessa altura a designação de "bidé das marquesas" que ainda hoje é usada para aquela praia.
O marido de Maria da Conceição herdou o negócio e depois de ele morrer, há 23 anos, ficou ela responsável pelas barracas às ricas. "Sou eu que faço os panos, que os coso com estas mãos que vê", diz, estendendo as mãos com feridas provocadas pelas enormes agulhas. Ninguém se lembra de alguma vez a ter visto de fato de banho. Traz uma bolsinha à cintura e toma conta das barracas com solenidade: "Temos umas quantas barracas vagas, para alugar às pessoas que aparecem. Mas a maior parte está reservada. Se não têm os panos postos é porque as pessoas ainda não vieram de férias, mas as barracas estão ali à espera, não as alugo a mais ninguém." A relação de confiança que se construiu ao longo dos anos é mais importante do que os trocados que poderia ganhar.
Se as histórias de terra falam de crianças felizes a brincar na areia, as histórias do mar incluem tempestades e naufrágios. Luís Chicharro Robalo (ele garante que esse é o seu nome verdadeiro, nome de peixe, embora todos os conheçam como Ti Chalica) foi pescador durante grande parte dos 81 anos de vida e agora trabalha no cais, manobrando a grua e pondo e tirando barcos da água.
Entre os pescadores que apanham as algas (a época da apanha já abriu) e as embarcações de recreio do Clube Náutico, a baía é muito concorrida. "Enquanto puder vou estar aqui", garante, pele tisnada e ressequida, de quem se punha no mar ainda de madrugada e passava horas a remar contra as vagas. "Agora é fácil, agora todos têm barcos a motor. Antigamente... A gente costumava dizer que a terra é mãe. Quando chegamos a terra é porque está tudo bem."