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POR ANTÓNIO NABO MARTINS
A carga pode (não) ser uma carga de trabalhos
O agravamento da situação económico-financeira do País e, consequentemente, a definição e o ulterior endurecimento das medidas de austeridade acordadas com a “Troika” marcaram e marcam a realidade dos transportes de mercadorias em Portugal, nomeadamente por via ferroviária.
Este facto associado às nossas “históricas” dificuldades, por um lado, relacionadas com a diferença de bitola, com a falta de interoperabilidade e com a posição geográfica de Portugal relativamente ao continente europeu; por outro, com a necessidade urgente de resolvermos o problema da resistência de engates, da capacidade de tração das locomotivas, do perfil do traçado com algumas rampas, do comprimento dos comboios e ainda alguma regulação, obriga-nos não só a olhar para as condições e para o contexto, mas também para a nossa realidade.
A nossa realidade lembra-nos que andamos em constantes e permanentes discussões acerca da renovação da Linha do Norte, eixo estruturante da rede ferroviária nacional, do TGV, da Alta Velocidade, do Portugal Logístico, entre outras. O nosso contexto sempre em dúvida sobre que fazer, como fazer, quando fazer e onde fazer. As condições, sejam elas políticas, financeiras ou económicas e até sociais, não têm sido razão suficiente para alavancar qualquer estratégia objetiva de desenvolvimento. Mas, quer queiramos quer não, pior do que uma má estratégia é uma ausência de estratégia. Creio que esse tem sido um dos principais problemas que tem assolado o panorama da carga em Portugal.
Chegados aqui, o facto é que não temos Linha do Norte em condições, não temos TGV nem alta velocidade, nem bitola UIC e nem uma rede de Plataformas Logísticas que nos permita agrupar cargas, ganhar escala, ser eficiente e eficaz na agregação de valor ao transporte ferroviário de mercadorias.
Por outro lado e até um pouco em contraciclo, atualmente a presença da ferrovia nas dinâmicas logísticas e de transportes fazem com que assuma um lugar de destaque e relevante no contexto nacional e até europeu, sendo inclusivamente objeto de permanentes análises e estudos, mas cujos resultados tardam em aparecer.
Acresce que em Portugal, temos normalmente muita dificuldade em dar continuidade a soluções estruturantes para a nossa vida social e facilmente estas decisões são fraturadas por interesses que não têm em vista o interesse comum. Já é mais do que tempo de romper com atitudes e discursos próprios de certos meios, pelo que continuo a não compreender como neste domínio, aliás como em muitos outros da nossa sociedade, se procura complicar o que é simples.
Há assim uma questão para a qual devemos ter resposta imediata sob pena de paralisarmos completamente o transporte de mercadorias via ferroviária.
Até lá, até termos aquelas condições, o que fazemos?
Considero que aquelas condições devem ser resolvidas, analisadas e avaliadas numa ótica de futuro. Umas, num futuro de curto prazo outras mais a médio longo prazo, mas que obrigatoriamente devemos seguir e construir, sendo visionários, pensando de forma estratégica, planeando de forma efetiva, compreendendo o fenómeno, gerindo as mudanças e trabalhando em equipas e parcerias. Mas até lá não podemos baixar os braços, temos de continuar a trabalhar, apelando a alguma criatividade, fundamental para o crescimento e para a competitividade, para ultrapassar as dificuldades presentes, contribuindo ainda para suplantar aquilo que chamo de alguma “iliteracia” ferroviária, não só da opinião pública em geral, mas também de muitos dos os atores que intervêm no processo.
Nesta área nada é fácil pois os “exercícios” de logística, quando incorporam em si mesmo uma vertente ferroviária, têm uma tendência quase natural para se tornarem complicados. A menor flexibilidade do modo ferroviário, a necessidade de recorrer, normalmente, a um operador rodoviário, a maior quantidade de carga movimentada, a mudança de paradigma da produção e do consumo no mercado interno (menor concentração na produção maior multiplicidade no consumo) requerem a constituição de uma rede em que são necessários Operadores Logísticos, Operadores Rodoviários e Operadores Ferroviários.
Acredito que só dum casamento “poligâmico” deste género poderá nascer uma lógica de valor acrescentado e comum, uma estratégia “win-win”.
Atualmente sente-se ainda o problema da incoerência do discurso com as ações. Em qualquer local em que se discuta o transporte de mercadorias e nomeadamente o ferroviário, parece que estamos perante uma plateia, tal como no futebol em que todos são treinadores, todos são “opinion makers”. Por vezes, a maneira como falam é tão entusiasta, que até parece dominarem o assunto, eis que senão e, noutro momento e para outra plateia completamente diferente o discurso muda e altera-se substancialmente. Na era da comunicação em que vivemos, parece cada vez mais difícil o diálogo construtivo e o facto é que os equívocos surgem e, mais grave, ganham terreno à consecução dos objetivos estratégicos para o sector.
É assim imprescindível “fazer acontecer”. Fazer acontecer implica adotar ainda que de forma interligada mas diferenciada três abordagens, que se traduzem essencialmente em ser proactivo, saber escutar e saber trabalhar com os profissionais do sector e ainda promover e acompanhar as dinâmicas próprias do Caminho-de-ferro.
Fazer acontecer implica saber que não é a bitola que nos impede de chegar a Madrid, são outras coisas. Fazer acontecer obriga a muito trabalho, trabalho esse que tem de ser paciente, perseverante e persistente. Trabalho esse, complexo e difícil, pois obriga a mudar mentalidades e a quebrar fronteiras, muitas delas mentais mas mais difíceis de ultrapassar do que as próprias fronteiras físicas.
Chegado aqui é fácil de intuir que alguns de vós comentam este ou aquele pormenor, esta ou aquela dificuldade e se soubesse isto ou aquilo não escrevia o que escrevi.
Pois, mas esse é um dos objetivos. Em primeiro lugar ninguém sabe de tudo, nem pode saber, depois, se isso acontecer, serviu para percebermos a necessidade de uma discussão séria e de compromisso para com o futuro do País.
A Carga pode efetivamente não ser uma carga de trabalhos, se todos percebermos que caminhar sozinhos não vamos a lado nenhum, se não trabalharmos em equipa com verdadeiras parcerias, cooperando onde cada elemento deve cooperar, promovendo discussões saudáveis e mensuráveis acerca do que é fundamental. Chegou o momento em que devemos deixar as queixas e lamechices de lado, eliminar todos os “se ao menos” e “ses”, para passar a concentrar-nos no que realmente interessa, o transporte de mercadorias.
“Há pessoas que vêem as coisas como elas são
e que perguntam a si mesmas:
Porquê?
Há pessoas que sonham as coisas como elas nunca foram
E perguntam a si mesmas:
Porque não?" (Bernard Shaw)
POR ANTÓNIO NABO MARTINS