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VERA CRUZ ERA DE CONCEPÇÃO EXTREMAMENTE AVANÇADA PARA A ÉPOCA

Construção contabilizou 86 mil horas de trabalho

Para os detalhes técnicos relativos à construção e às características desses dois novos transatlânticos, faremos uso do texto do excelente livro do jovem historiador marítimo português Luís Miguel Correia, que leva como título: Paquetes Portugueses (publicado em Lisboa em 1992 pelas Edições Inapa), do qual transcreveremos a seguir passagens correspondentes ao Vera Cruz e ao Santa Maria:

"De concepção extremamente avançada para a época, o Vera Cruz e o Santa Maria foram os primeiros paquetes portugueses, uma vez que todos os navios de passageiros anteriores eram unidades mistas de passageiros e carga.

"Pelas suas dimensões e características, o Vera Cruz e o Santa Maria eram grandes paquetes de prestígio, cuja imponência e elegância representavam condignamente Portugal em qualquer porto do mundo.

"A construção destes navios marcou um período de ressurgimento da marinha de comércio nacional, que, passados 40 anos, podemos classificar como a fase de maior desenvolvimento da história dos transportes marítimos portugueses desde a introdução do vapor.

"Sem querer pôr em causa as limitações do setor, que existiam efetivamente, foi possível renovar a nossa frota mercante com a aquisição de navios novos, adequados às necessidades do país, de que o Vera Cruz e o Santa Maria foram os melhores exemplos.

"Ligado a estas realizações, é justo referir o então ministro da Marinha, comandante Américo Thomaz, conhecedor profundo dos assuntos ligados à marinha mercante, a cujo desenvolvimento dedicou perto de duas décadas de trabalho.

"Com cerca de 20 mil toneladas, 20 nós (37,5 quilômetros horários) de velocidade e lotação para 1.200 passageiros, os gêmeos Vera Cruz e Santa Maria marcaram uma época.

"A concepção e planejamento do Vera Cruz obrigaram os técnicos do Estaleiro John Cockrill a 86 mil horas de trabalho.

"A pré-fabricação começou no início de 1950, tendo-se procedido o assentamento da quilha do Vera Cruz em 13 de maio deste ano.

"O navio foi lançado à água a 2 de junho de 1951, efetuando-se na mesma data o assentamento da quilha do Santa Maria. Foi madrinha do Vera Cruz dona Gertrudes Thomaz, esposa do ministro da Marinha.

"Nesta mesma data, foi ainda assente a quilha do cargueiro Sena, destinado igualmente à Colonial e construído também no Estaleiro Cockrill.

"Na carreira paralela àquela em que foram construídos o Vera Cruz e o Santa Maria, encontrava-se, em fase adiantada de construção, o casco do navio-tanque Bornes, de 16.800 toneladas de porte bruto (tpb), destinado à Soponata.

"Na construção do Vera Cruz, foram utilizadas 8 mil toneladas de aço e 150 toneladas de alumínio, sendo instalados no navio 240 quilômetros de cabos elétricos e 96 quilômetros de encanamentos.

"Estiveram envolvidos na construção do Vera Cruz cerca de 1.000 técnicos e operários, que trabalharam durante 18 meses.

"Navio-almirante da marinha mercante portuguesa e da frota da Companhia Colonial de Navegação, o Vera Cruz foi entregue à CCN a 23 de fevereiro de 1952, no porto de Antuérpia (Bélgica), depois de concluir com êxito as provas de mar.


FOTO: Um dos cartões postais da companhia mostrava o belo transatlântico chegando ao porto de Santos

"Além de ser o maior navio português, o Vera Cruz era também a maior unidade até então construída na Bélgica, tendo assistido à cerimônia de entrega do paquete as individualidades mais importantes daquele país.

"Comandado por Hilário Filipe Marques, o Vera Cruz deixou Antuérpia a 28 de fevereiro, chegando a Lisboa a 2 de março de 1952.

"Durante a estadia no Tejo, o Vera Cruz foi visitado pelas grandes figuras do regime, com destaque para o presidente da República, general Craveiro Lopes, presidente do Conselho de Ministros, dr. Antônio de Oliveira Salazar.

"Com 21.765 toneladas de arqueação bruta, o Vera Cruz tinha 185,75 metros de comprimento fora-a-fora, 23 metros de boca (largura) e 15,80 metros de pontal.

"O navio estava equipado com dois grupos de turbinas Parsons, desenvolvendo a potência de 25.500 cavalos-vapor e atingindo a velocidade máxima de 23 nós (42,6 quilômetros horários). A velocidade de cruzeiro era de 20 nós.

"Cada um dos dois hélices de três pás do paquete pesava 16 toneladas e o Vera Cruz consumia 140 toneladas de fuel oil (óleo combustível) e 200 toneladas de água por cada dia de navegação.

"Foram instalados a bordo os mais modernos aparelhos de ajuda à navegação, nomeadamente agulha giroscópica, piloto automático, odômetro elétrico, radar com alcance de 30 milhas (55,5 quilômetros), radiogoniômetro, sonda e radiotelefone.

"O Vera Cruz dispunha de alojamento para 1.242 passageiros instalados em 289 camarotes, distribuídos em três classes: 148 passageiros em primeira classe, 250 em segunda, 844 na terceira classe.

"Os interiores deste paquete eram considerados luxuosos para a época, incluindo numerosos salões, bares, cinemas, jardim de inverno, duas piscinas e amplos tombadilhos e solários, hospital com cinco enfermarias, salas para crianças e todas as facilidades consideradas necessárias para um grande transatlântico, incluindo ar condicionado.

"Henri Boulanger e Andrade Barreto foram os responsáveis pela decoração dos interiores do Vera Cruz, em que colaborou grande número de artistas portugueses.

"No seu conjunto, os interiores do Vera Cruz proporcionavam um ambiente luxuoso e confortável, mas pesado, traduzindo o gosto da época e um certo conservadorismo estético, em contraste com uma muito maior simplicidade e profusão de cores dos paquetes Augustus e Giulio Cesare, construídos na mesma época na Itália, igualmente para a carreira da América do Sul.

"O Vera Cruz tinha 350 tripulantes, dentre os quais 38 oficiais."


FOTO: As linhas do Vera Cruz indicavam alta tecnologia, aliada à tradição de luxo dos navios portugueses

Muitos estão lembrados, ou já ouviram falar, da grandiosa despedida do Vera Cruz ao deixar Lisboa em viagem inaugural, rumo ao Brasil. Mas, poucos sabem como foi a recepção do outro lado do Oceano Atlântico.

A primeira escala do Vera Cruz ao Brasil deu-se no sábado, dia 29 de março de 1952, no Rio de Janeiro. Como a Imprensa havia noticiado com antecedência a chegada do famoso transatlântico, a cidade despertou cedo, milhares de pessoas aglomeraram-se na Praça Mauá e nas proximidades do porto.

Devido a forte nevoeiro, houve um atraso e somente após as 12 horas foi feita a atracação do tão esperado paquete português.

Brasileiros e portugueses, sob sol ardente, esbanjavam alegria, sem conter seu entusiasmo. Nunca um navio de qualquer nacionalidade foi tão bem recebido.

Em 1949, foi encomendado o navio que se chamaria Vera Cruz

Ainda na Baía da Guanabara, o navio todo engalanado, sob comando de Hilário Filipe Marques e tendo a bordo o armador Bernardino Corrêa, viu-se cercado de várias embarcações, que apitavam incessantemente. O que era prontamente respondido pelo Vera Cruz, como que saudando a terra amiga, que por sua vez se enchia de sol para recebê-las à altura.

Bandeiras portuguesas e brasileiras estavam desfraldadas em seus mastros. Da tera os rojões estouravam, dando um tom festivo. A alegria era geral.

No local de atracação, bandas tocavam seus dobrados, e a orquestra de bordo retribuía. No cais, o povo explodia de júbilo e entusiasmo, e a bordo acontecia o mesmo.

Os passageiros que desciam do navio foram recebidos com muito carinho e amizade por parte dos curiosos que foram assistir ao "espetáculo".

A bordo vinham várias autoridades e celebridades, a convite da Companhia Colonial de Navegação (CCN). Entre elas o almirante Gago Coutinho, os senhores comandantes Enrique Tereiro, Pereira Viana e Francisco Fialho; o coronel Antônio Manuel Batista; o capitão Teófilo Duarte e outras pessoas de destaque, além de jornalistas dos principais jornais de Portugal.

Também a rainha do fado Hermínia Silva e a Missão Cultural Portuguesa, formada por escritores, professores e historiadores, que foi o alvo de homenagens dos círculos intelectuais do Rio de Janeiro.

As solenidades oferecidas pelos brasileiros aos ilustres visitantes portugueses foram tantas que é quase impossível enumerá-las.

Entre elas, o banquete do Itamarati, as recepções na Academia Brasileira de Letras, na Reitoria da Universidade do Brasil, no Clube Ginástico Português, no Liceu Literário Português.

O presidente do Brasil, à época, Getúlio Vargas, acompanhado de sua esposa, Darcy Vargas, almoçou a bordo do Vera Cruz, a convite da embaixada de Portugal.

Com grande jantar oferecido pela CCN, à colônia portuguesa e à sociedade carioca, foram encerradas as comemorações. O armador Bernardino Corrêa, em breves palavras, saudou os portugueses e brasileiros, de quem tantas atenções recebeu.

Presidente Vargas visitou o transatlântico no Rio de Janeiro

O maior paquete português da época navegou rumo a Santos, na madrugada de 3 de abril (quinta-feira), chegando à barra por volta das 13 horas.

Guardadas as devidas proporções, a recepção calorosa dada ao Vera Cruz em Santos não ficou devendo muito à do Rio, pois milhares e portugueses e brasileiros, vindos de São Paulo, reuniram-se com seus conterrâneos residentes em Santos para festejar e testemunhar o acontecimento.

Por volta de 14 horas, o novíssimo transatlântico é abordado pela lancha do Serviço de Praticagem, e a bordo sobe Gérson da Costa Fonseca, que na época era prático preferencial da CCN, através de seu agente em Santos, a Companhia Comercial Marítima.

Além de ser o maior navio português, era o maior feito na Bélgica

Hoje aposentado, Gérson da Costa Fonseca ainda lembra com emoção aqueles momentos, quando conduziu o Vera Cruz estuário a dentro, até o cais do Armazém 15.

"Em 40 anos de atividade em Santos como prático, nunca vi nada igual, como a chegada do Vera Cruz. Conduzir o navio pelo canal do porto, através da grande manifestação de júbilo popular, com milhares e milhares de pessoas acenando das amuradas da Ponta da Praia, outras embarcações apitando e os gritos emocionados de alguns passageiros, tudo isto deixou-me uma recordação inigualável", diz o ex-prático do porto.

Após a atracação no cais próximo ao Armazém de Bagagem, o transatlântico foi aberto para visita de autoridades, convidados especiais e representantes da Imprensa paulista e santista, aos quais foi oferecido o tradicional aperitivo de boas-vindas.

Nenhum navio da época foi festejado como o Vera Cruz

No dia 4, o navio foi aberto para o público em geral e grandes filas se formaram no cais para as pessoas que queriam visitar o novo orgulho da marinha mercante de Portugal.

No dia seguinte, a empresa armadora ofereceu um almoço a bordo às principais autoridades de Santos, comparecendo o então prefeito municipal, Francisco Luiz Corrêa; o presidente da Câmara Municipal, Antônio Moreira; o capitão dos Portos do Estado de São Paulo, comandante Raja Gabaglia; e outras personalidades de destaque.

À noite, a CCN ofereceu banquete de gala ao governador do Estado de São Paulo, Lucas Nogueira Garcez, acompanhado da esposa, do chefe do cerimonial do Palácio Campos Elíseos e dos secretários do Governo em várias pastas; do comandante da região militar e do capitão dos Portos.

Após dois dias e duas noites de permanência no Porto de Santos, o Vera Cruz zarpou em direção ao Rio da Prata, com escalas em Montevidéu (Uruguai) e Buenos Aires (Argentina).

Artigo de José Carlos Rossini
Colaboração: Laire José Giraud
(leia a terceira e última parte deste artigo)
 

 







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