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Notícias
HISTÓRIAS COM NAVIOS | POR JOSÉ PAULO SARAIVA CABRAL
Um paiol de sobressalentes com objectos estranhos
[ Na vida profissional encontramos frequentemente a terminologia e as expressões da marinharia e convivemos com as leis da física e da engenharia naval. Algumas das histórias são engraçadas, mas o mais interessante é confrontarmos a realidade do dia a dia com os conhecimentos sobre navios que acumulamos na parte de trás das nossas cabeças.
As crónicas são apontamentos da vida de peritos navais, tão verdadeiras quanto o permite citá-las de memória, mas estão totalmente descaracterizadas no respeitante aos navios, comandantes, personagens, portos e nacionalidades. ]
Veio este arrastão de um país africano, nos tempos das dificuldades (se é que hoje são menores!), para fazer grandes reparações num estaleiro em Lisboa. À chegada, o superintendente contratado para coordenar as reparações, para ficar com uma ideia do que existia a bordo, saber onde estavam as peças e em que condições, pediu ao Chefe de Máquinas para visitar o paiol de sobressalentes.
Desconforto. O Chefe evitava o assunto, disfarçava. Não temos lá quase nada…, dizia, e passava à frente, circulava-se por todo o navio, falava-se de tudo, paiol de sobressalentes nada...
Sentindo esta resistência, o Superintendente, já irritado, virou-se para o Chefe: Oiça, Chefe, temos que saber o que temos a bordo, as reparações são complicadas e dependem muito dos sobressalentes; eu estou do vosso lado, fui contratado pelo Armador para garantir que as reparações correm bem! Não podem esconder-me coisas!
O Chefe acabou por ceder. Cara comprometida, assuntos triviais fora, de facto, silêncio, e lá entrámos no paiol da casa das máquinas que se encontrava fechado a cadeado. Semblantes de expectativa, circunspeção.
E…, surpresa!!
O paiol estava cheio de papagaios! Alguns quarenta. Coloridos, joviais, pousados em ramos de madeira judiciosamente colocados entre rolamentos, anéis de borracha, correias e material elétrico, uma invulgar coexistência da natureza com a tecnologia…sim, papagaios!
A tripulação encontrou esse expediente para realizar uns dinheiros e poder viver mais à larga durante a paragem do navio em Lisboa.
Nos dias seguintes não havia loja de animais das redondezas que não exibisse papagaios. Nem mercearia que não tivesse à venda cocos frescos..., sim, porque para o mesmo fim muitos deles tinham trazido cocos no porão e, dia a dia, dos magros fazendo gordos e dando respeitosas boas noites aos guardas da alfândega, paulatinamente desembarcavam papagaios e cocos que, entre a camisa e o casaco transportavam para a cidade valorizando os estatutos das velhas mercearias que passaram a ostentar generosamente essas saudosas e invulgares delicadezas africanas.
Um exemplo de cultura de marinheiro sem nada a ver com mar ou navios. Sobressalentes havia poucos, dinheiro quase nenhum, burocracia, muita, em consequência, problemas muitos… O navio permaneceu meses dando, como mais tarde referiu um sociólogo animado num bar, oportunidade para uma saudável aproximação de culturas. Foi assim que conhecemos bem aquela tripulação e fizemos amigos de além-mar…
POR JOSÉ PAULO SARAIVA CABRAL (engenheiro naval)
José Paulo Ferreira Saraiva Cabral é formado em engenharia naval na University of Strathclyde em Glasgow, Escócia, em 1971. Serviço militar na Armada, passou pela Guiné-Bissau. Professor efetivo de Arquitetura Naval na Escola Náutica Infante Dom Henrique durante oito anos. Fundou e geriu a empresa de peritagem e consultoria Navaltik Portugal, com inúmeros projetos nacionais e internacionais.
Autor do livro “Arquitetura Naval - estabilidade, cálculos, avaria e bordo livre”, já fora de circulação. Autor dos livros “Organização e Gestão da Manutenção, dos conceitos à prática” e “Gestão da Manutenção de Equipamentos, Instalações e Edifícios”, publicados pela LIDEL, o primeiro em 6ª e o segundo em 4ª edição.
Lançou, em Março de 2023, o livro “O Navio e as instalações de bordo”.
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